segunda-feira, 6 de julho de 2009

Atrás das grades

Querida Ju,
Já faz tempo que não escrevo pra ti, sinto que minhas letras estão ficando tortas e desleixadas, e confesso uma dificuldade em saber o que devo escrever. Não sei se essa carta vai chegar até suas mãos, talvez seu endereço tenha mudado, mas vou escrever do mesmo jeito.

Fazem nove anos que fui trancafiado aqui dentro, nove anos que o único vínculo que me resta com o lado de fora desses muros são as memórias, eu continuo alegando inocência, mesmo não sabendo mais o que isso significa, à muito decidi que não iria mais me torturar com o assunto, mas se houve algum crime, acredito que reabilitado seja a palavra usada para hoje me descrever.

O convívio com as grades me desabilitou do mundo, agora a única janela que me mantém respirando é o amor que sinto por você, algo que cada vez mais vai desaparecendo dentro de mim, e as crises de falta de ar são cada vez mais comuns,
nunca pensei que o tempo pudesse ser tão cruel com a existência de uma pessoa, a sensação de "câmera-lenta" que envolve os presos desse lugar acaba sendo brutal com a sanidade de alguns, é preciso ser forte, porém aqui é comum ver homens fortes cederem a chorar.

Na última rebelião fiquei deitado em minha cela, toda gritaria no pavilhão principal era constantemente cessada com os rasantes do helicóptero da polícia, enquanto o caos tomava conta do prédio, fiquei pensando em ajudar na construção do túnel que alguns detentos estão planejando, seria bom não ter mais que passar por essas rebeliões, mas a essa altura, uma tentativa de fuga acabaria completamente com as chances do meu pedido de condicional ser aceito, ano que vem faz uma década que estou aqui, então eu acho que posso esperar um pouco mais.

Gostaria de poder escrever mais vezes, porém é difícil conseguir uma caneta aqui dentro, para a maioria dos presos elas são muito mais valiosas como armas, mesmo que isso signifique não poder escrever para os familiares. Eu fiz um amigo aqui dentro, do lado de fora ele acabou realizando alguns assaltos que o trouxeram para cá, aqui dentro ele é o sujeito que consegue algumas coisas em troca de cigarros, foi ele quem possibilitou essa carta, é um sujeito bacana, te mandou um abraço; a cela dele é repleta de fotos da noiva, e bem que eu gostaria de carregar uma foto sua em meu bolso também, mas minha cela tem apenas seu nome escrito pelas paredes. Ontem, um dos guardas do plantão da noite me pegou escrevendo para você, mas o meu bom comportamento nesses nove anos que cá estou me livrou de uma punição, ele permitiu que eu terminasse a carta contanto que eu lhe entregasse a caneta pela manhã quando o seu turno terminava, bom pra mim.

Enfim, só queria dizer que tenho saudades, a lembrança do seu rosto já me salvou a vida por diversas vezes aqui, e todos esses anos enjaulado me serviram para exprimir toda a minha capacidade de amar alguém, finalmente, quase dez anos depois, essa capacidade vai chegando ao seu final. Foi-se quase uma década em um presídio de segurança máxima, condenado por um crime onde não houve pecado, a sentença não foi perpétua, e o preço por te amar não foi tão alto, sequelas ficarão eu sei, porém, a liberdade de nada me vale se não houver alguém para amar.

Espero que as coisas estejam bem por ai,
com amor,
prisioneiro N° 241083
dpfox